quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Novo fluxo migratório estreita relação Brasil-Portugal

“Terra à vista”, disseram os portugueses quando descobriram o Brasil, em abril de 1500. Atualmente, entre o final do século XX e início do XXI, imigrantes brasileiros que decidiram “descobrir Portugal” têm dito “Emprego à vista”.

Segundo a geógrafa brasileira Aline Lima Santos, o atual contexto global que envolve inversões de fluxos migratórios ocasionou uma nova relação entre Brasil e Portugal. Esse novo relacionamento serve para os dois países como um “navio” para que ambos alcancem a desejada importância na divisão internacional do trabalho e respectiva inserção na geopolítica mundial.

“A ideia de empreender o estudo surgiu quando me dei conta de que nos dias de hoje as relações entre Brasil e Portugal são mais importantes do que muitos imaginam. Decidi então descobrir onde estava essa importância, e porquê”, conta Aline.

Na pesquisa “Mudança de vento: a migração do Brasil para Portugal no final do século XX e início do século XXI”, a geógrafa analisa as consequências e causas da inversão do fluxo migratório entre os dois países, nesse período.

Para chegar às conclusões da sua pesquisa de mestrado, Aline deslocou-se a Portugal, onde esteve entre setembro a novembro de 2009, e entrevistou cerca de 40 brasileiros lá residentes. O estudo aponta alguns dos principais motivos que levaram à sua emigração do Brasil, onde e como estavam inseridos no próprio território ou no mercado de trabalho.

Ondas do Atlântico

Segundo o estudo, a primeira onda de migração para Portugal aconteceu na década de 1980, em meio a uma crise económica e política no Brasil. “Nessa época, os membros da classe média, principalmente os parentes de portugueses, depositaram a esperança na “terra dos antepassados” com o objetivo de recuperar  poder aquisitivo. O padrão educacional desses emigrantes chegava a ser até  superior ao dos portugueses”, refere a geógrafa.

“No final da década de 1990, também num contexto de crise económica, como a que atingiu países pobres como o México e teve repercussões no Plano Real, aconteceu outra onda de migração. Desta vez, os “tripulantes” eram, na sua maioria, membros da classe média baixa, o que acabou mudando o perfil dos imigrantes brasileiros em Portugal”, acrescenta.

Emprego no ‘velho mundo’

Como apontam as entrevistas e as visitas a consulados e associações feitas pela pesquisadora, os brasileiros que se mudaram para Portugal, muitas vezes, ao buscarem emprego, encontram com certa “naturalidade” um espaço relacionado a entretenimento, lazer e serviços em geral, como  lojas, bares ou restaurantes. Segundo Aline, esse facto está vinculado à imagem que muitos portugueses têm dos brasileiros, como sendo um povo simpático e alegre. “É curioso que muitos portugueses dizem sentir-se ‘bem-atendidos’ por brasileiros”, afirma a geógrafa.

Contudo, Aline constatou também que nem sempre os imigrantes acabam por encontrar uma situação que lhes permita melhorar a sua situação financeira. “Nesse momento, para o imigrante, surgem mais dificuldades e necessidades”. De acordo com a pesquisa, essas necessidades dos brasileiros “forçam” os dois países a se relacionarem de forma mais estratégica e “cooperacional”, visto que nos ventos da globalização, “migração” é um tema muito delicado, muitas vezes associado à criminalidade, violência ou terrorismo.

Facilidades em “terra firme”

Mas as os motivos pelos quais Portugal oferece mais facilidades para as pessoas vindas do Brasil que para imigrantes dos países do leste europeu, por exemplo, vão além da delicadeza do tema. “Para esses dois países, a população que passam a compartilhar se torna uma espécie de argumento para que ambos se poiem também nutros assuntos políticos que não só a migração”, afirma.

Além disso, segundo a autora, essas “facilidades” existem porque há peculiaridades no caso Brasil-Portugal, como a experiência do Governo português em lidar com a emigração, já que 30% de portugueses não vivem no seu país de origem. “Por causa dessa experiência, os portugueses encaram as associações de brasileiros imigrantes que surgem em seu país como uma espécie de instrumento que pode auxiliá-los para que conheçam e cuidem melhor dessa população, além de aprender a lidar com ela mais satisfatoriamente”, explica a pesquisadora.

“Por conta disso, essas associações ganham conteúdo e peso político, e também capacidade de intermediar a relação entre os dois países, podendo influenciar em decisões diplomáticas e solicitar dos dois Estados envolvidos atitudes que atendam às necessidades dos imigrantes”, completa. De acordo com a experiência da geógrafa, a chamada Casa do Brasil em Lisboa é um exemplo desse tipo de associação.

“Considerando a atual conjuntura global, que incentiva os fluxos migratórios valorizando as “experiências no exterior”, o Brasil cumpre um papel interessante no sentido de estabelecer debates que olhem para a imigração de modo positivo. Hoje em dia,  o próprio conceito de cidadania passa por uma redefinição, por conta desses fluxos. Você pode ser português, mas também sentir-se brasileiro, ou vice-versa”, conclui a geógrafa.

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