quarta-feira, 13 de abril de 2011

FABRICAÇÃO DO CONSENTIMENTO, EM PORTUGAL


Ontem, em várias escolas deste país, havia professores firmemente convencidos de que o governo já tinha decidido suprimir o subsídio de férias dos funcionários públicos. Apetece perguntar: e que tal dizer a esses nossos colegas que, para a semana, os seus nomes vão constar de uma lista de excedentários para serem despedidos da escola? Já que fazem tanto gosto em sofrer por antecipação…

Se esta conformação com o «estado das coisas» aparece tão enraizada em gente com cursos superiores – e que, portanto, deveria dispor de instrumentos cognitivos para desmontar melhor a realidade que a cerca -, imagine-se como estará o restante «bom povo português»…
Neste momento, assiste-se a uma campanha mediática de fabricação do consentimento como já não se via neste país há algum tempo. Essa campanha, em que participam jornalistas acríticos, comentaristas e economistas serventuários, assenta em três discursos devidamente articulados: o discurso do medo, o discurso da fatalidade e o discurso da culpa.

O discurso do medo destina-se a colocar as pessoas num estado tal de insegurança anímica que elas ficam predispostas a aceitar todo o mal que lhes possa acontecer por antevisão de algo ainda pior (a que elas, de resto, já anuíram psicologicamente).

O discurso da fatalidade opera uma distorção, típica dos dispositivos ideológicos, que consiste em tomar como natural e inevitável aquilo que, na verdade, é político e histórico, ou seja, resultante de escolhas entre alternativas diferentes. O discurso da fatalidade pretende convencer-nos de que não há alternativas, mas apenas um único caminho. De cada vez que um economista ou comentarista surge na TV a afirmar que «a vinda do FMI é uma inevitabilidade», está simplesmente a escamotear o facto de que existem outras vias e que só por uma escolha política elas são eliminadas.

Finalmente, o discurso da culpa. Este procura levar os cidadãos comuns, que trabalham e pagam os seus impostos, a interiorizarem que, se o país está como está, é por se terem endividado «para além do admissível», por terem vivido «acima das suas possibilidades», e que agora vão ter de pagar pelos seus pecados de soberba financeira. 

O discurso da culpa é o discurso do Pai castigador (o FMI) ou da Mãe punitiva (a Sra. Merkel) que vêm abater toda a sua ira correctiva sobre o Filho irresponsável. Cedendo à pressão deste discurso, é a própria possibilidade de revolta que fica cancelada – visto que ela tornaria o cidadão ainda mais culpado aos seus próprios olhos.

Juntos, estes três discursos formam uma narrativa que, de facto, não passa de uma história mal contada. Para retomarmos o fio à meada da nossa capacidade crítica, há que nos apropriarmos da História que esta «estória» não deixa ver.

Fonte:  APEDE           

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