sexta-feira, 11 de junho de 2010

10 DE JUNHO, DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES























Hoje, dia 10 de Junho, comemora-se em Portugal e por todas as comunidades portuguesas da diáspora espalhadas pelo mundo, o DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES. É um tempo de celebrações oficiais e de discursos vários, desde as solenidades presididas pelo Presidente da República portuguesa que, este ano, escolheu o Algarve, sua região Natal, como sede das Comemorações, até às celebrações que em Lisboa e por todas as restantes cidades de Portugal e do mundo assinalam este dia, com festas e discursos de circunstância. 















É também o dia em que se celebra Portugal, atribuindo-se condecorações concedidas pelo Presidente da República Cavaco Silva, às mais representativas personalidades de todos os campos de actividade, que este ano foram seleccionadas pelo Presidente da República, enquanto Grão Mestre de todas as Ordens de Condecorações, em que algumas dessas condecorações serão entregues a título póstumo aos representantes daquelas personalidades que, infelizmente, faleceram no decorrer deste ano. 













Se neste dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, se evoca Camões, mesmo implicitamente, e os extraordinários feitos do Portugal quinhentista e seiscentista que o nosso maior Poeta cantou  na sua grande obra Os Lusíadas, também isso nos faz reflectir sobre as razões porque Portugal se tornou, então o "Centro do Mundo" e daí em diante se foi diminuindo na sua importância no quadro das nações europeias até chegar a uma situação hoje em dia que, a par de notáveis progressos trazidos com a restauração da democracia em 1974 e depois da adesão à Comunidade Europeia em 1982, subsistem grandes desigualdades e atrazos que colocam Portugal no fim da tabela dos prinncipais indicadores de Desenvolvimento Humano da Europa e, mesmo depois das colossais ajudas financeiras recebidas dos auxílios dos  sbsídios financeiros da C.E. para o apoio ao esforço de coesão, a divergência relativa a média  dos países da C.E. é progressivamente maior de ano para ano, apesar de ao nível das infra-estruturas de base como estradas, pontes, comunicações, tecnologias, obras públicas em geral, Portugal se apresentar como um país bastante moderno.







Agora, ironicamente e desde há décadas os responsáveis políticos já esqueceram que Portugal foi o "Centro do Mundo" e, tal como dizia o ditador Salazar durante décadas, dizem que Portugal sofre da situação de periferia da Europa, como se, hoje em dia, na Era da Globalização, essa fosse uma razão que obstasse a que os países da Escandinávia, situados no extremo norte da Europa, que os impediu de serem dos mais avançados e desenvolvidos países do mundo, figurando no topo das tabelas do Desenvolvimento Humano, à frente de todos os outros, incluindo dos E.U.A.       












Este Dia de Portugal é, também, um tempo de reflexão e balanço sobre o Estado da Nação, reflexão que transparece do discurso do Presidente Cavaco Silva e de outros políticos e personalidades representativas da Nação e das Comunidades e,  muitas dessas análises, inevitavelmente, não deixam de alertar para a situação de crise  económica e social em que Portugal e muitos países da Europa e do mundo se encontram mergulhados, com situações de desemprego e agravamento das condições de vida das classes mais desprotegidas da sociedade, como são as classes pobres e trabalhadoras indiferenciadas,  porque, como sabemos, as classes privilegiadas e os detentores de  fortunas,  pouco ou nada sofrem com as crises, às vezes até se beneficiam delas, apesar de normalmente estarem associados aos fenómenos que causaram estas mesmas crises, como é o caso da actual crise económica e financeira mundial que, como todos sabemos, foi causada pela ganância e actuações criminosas de grandes especuladores responsáveis pelo sistema financeiro internacional.
Na maior parte dos casos, os graves e criminosos procedimentos dos principais agentes financeiros  do sistema mundial que causaram a Globalização da Crise, ficaram impunes e privatizaram para seu benefício  os imensos lucros ilegítimos, enquanto os dirigentes políticos se apressaram a estatizar os prejuízos, injectando  colossais verbas públicas no sistema financeiro para salvarem bancos e banqueiros,  levando a que fossem as vítimas da crise  a arcarem com os prejuízos, sobre as formas de desemprego, fome, aumento de impostos sobre o trabalho, o que  evidencia a perversidade dos sistemas desregulados e descontrolados destas formas de economia financeira  de mercado selvagem, que muitos dirigentes políticos continuam a saudar, apoiando e auxiliando  apressadamente os bancos e banqueiros envolvidos no descalabro, os quais, assim. se encorajam a perpetuar o sistema corrupto e perverso.
Por outro lado e contrariamente, tardam, enredadas em intrincadas complicações burocráticas e políticas, as decisões de apoio às classes mais pobres, aos trabalhadores, às micro e P.M.Es, ao desemprego, e não se vislumbram vontades políticas para alterações estruturais profundas com mudanças radicais nos modelos governativos e nos sistemas económicos e financeiros,.
Ao invés, parece haver a nível global, uma disposição colectiva de todos os mais altos responsáveis políticos e financeiros, e até das grandes empresas e corporações, para perpetuarem o sistema que só favorece a multiplicação rápida de fortunas e o empobrecimento e marginalização das classes baixas da sociedade, o aumento da pobreza e do desemprego, porque se vai abandonando o modelo e o sonho de "Uma economia Social de Mercado", baseada não na prevalência do financeiro sobre o económico e sobre a política e o próprio estado, mas baseado na economia produtiva, criadora de riqueza e valor acrescentado, com regulações e controlos que garantam os equilíbrios do sistema e a justa distribuição da riqueza e dos esforços contributivos em impostos para o Estado Social, património europeu, que apesar de ser muito atacado ultimamente como inviável, não pode deixar de ser a base de uma sociedade solidária, justa, e é perfeitamente sustentável por um sistema político-social-económico-financeiro, regulado e equilibradamente justo na distribuição das contribuições por todos os agentes do sistema.







Manifestações popular de protexto contra as medidas governamentais de aumento de sacrifícios aos trabalhadores 




Várias questões cruciais se colocam hoje em dia: 
  • Porquê se exigem e impõem sempre às classes baixas e média o ónus do sacrifício em tempos de crise, mesmo quando essas crises são consequência de desgovernos, de especulações criminosas e de corrupções dos sistemas, feitas pelos representantes das grandes corporações, sob o descaso e a conivência relapsa dos governantes  ?
  • Porquê no mundo inteiro e, em particular, nos regimes menos democráticos ou demasiado refens de um neo-liberalismo capitalista financeiro, se multiplicam com grande rapidez novas fortunas, não resultantes do labor produtivo da economia real ?
  • Porquê apesar do espantoso desenvolvimento económico trazidos pela globalização e a aceleração da investigação e aplicação da ciência e tecnologia, aumenta cada vez mais o fosso entre as classes de altos rendimentos e ricas e as classes pobres ?
  • Porquê países e continentes riquíssimos como os países de África, alguns do próximo oriente e do oriente e da América Latina, continuam a sofrer de graves carências básicas, onde multidões morrem de fome, de doenças, de epidemias, sem acesso ao desenvolvimento humano e económico ?
  • Porquê, mesmo nos países desenvolvidos e dominadores enquanto potências mundiais, isto é, países que se auto proclamam de primeiro mundo (expressão ignóbil e cínica que é de rejeitar),  aumentam cada vez mais, as faixas de população de excluídos sociais e de pobres sofrendo todas as misérias e esquecimentos, isto é, de manchas vergonhosas do maldito terceiro mundismo ?
  • Porquê outras nações que há não muitas décadas eram pobres (algumas nem sequer dispõem de recursos naturais no solo ou no sub-solo) são hoje campeãs do desenvolvimento económico e social e consolidaram um desenvolvimento sustentável e um estado social sólido, como são exemplo disso os países da Escandinávia, a Suiça e, em grande medida, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão, entre outros ? 
E em Portugal, país vocacionado e geo-estratégicamente bem posicionado no eixo Europa, África, América, com uma grande vocação atlântica e universalista, porquê está no fundo da escala da Europa e a divergir da média europeia, 36 anos após a reconquista da democracia e 28 anos após a adesão à C.E. e tendo já recebido ajudas financeiras comunitárias que ultrapassam em valor a riqueza de todos os seus ciclos de riquezas trazidas pela colonização, como o ouro, as especiarias, as matérias primas, etc., valores de ajuda financeira que na sua quase totalidade pagaram as actuas modernas infra-estruturas básicas, como o saneamento básico, as estradas, as pontes e as obras públicas em geral, além dos fortes financiamentos ao desenvolvimento regional do interior continental e das ilhas e de apoio às actividades económicas empresariais ?
Será porque os sucessivos governos que depois de 25 de Abril de 1974, têm sido continuamente garantidos pela oligarquia política dos dois únicos partidos que se alternam no poder, o PS e o PSD, têm vindo a engrossar o "monstro" de uma máquina tentacular de instituições de um estado que gasta cada vez mais do que devia e podia, alimentando uma cada vez maior e mais privilegiada classe política profissional, em grande parte desnecessária e parasitária, que absorve mais do que o PNB, endividando cada vez mais o país  ? 
Será porque o duopólio político português, minado por políticos sem dimenção intelectual, técnica, cultural, humanista e ética e sem capacidades de liderança carismática de autoridade e competências reconhecidas, têm feito da política um feudo sempre em banquetes de esbanjamento e enriquecimento pessoal e têm multiplicado os exemplos pérfidos de representantes do utilitarismo, do individualismo, do materialismo e do consumismo sem lei e sem moral, que são a marca destes tempos de todas as liberdades sem responsabilidades nem deveres, de todas as impunidades sem prestação de contas, de todas as informações formatadas (a que chamam multiplos meios de comunicação social em quase tempo real - mass media), pré-moldada (prête a porter), que quase nada debatem dialecticamente, formatando o pensar e o agir e que rapidamente atiram para o esquecimento  o que é importante, em meio às avalanches de informação e desinformação massiva e de desprezível irrelevância ?
Será porque os responsáveis políticos e de todas as restantes actividades humanas estão cada vez mais gananciosos, eticamente desprovidos e amoralmente indiferentes a que, ao banquetearem-se em festins de abastança permanente (muitas vezes ilegitimamente adquirida), estão cavando cada vez mais o enorme fosso que os vai colocando muito distantes daqueles que nas classes baixa e média os alimentam e engordam com o seu labor diário, muitas vezes penoso com enormes dificuldades e carências ?
Po exemplo: sempre se prega e ouve que os salários em Portugal estão baixos (os dos trabalhadores, diga-se, porque os dos dirigentes esses podem estar muito acima da média europeia que não é escandaloso!), porque os trabalhadores têm uma produtividade baixa e é preciso que esta aumente para que seus salários aumentem! 

Pois bem, pouca gente se interroga se a tão falada desculpa da produtividade é um indicador que depende só dos trabalhadores ou, e principalmente, depende mais dos dirigentes e da gestão (organização, planeamento, liderança e controlo) e que, não sendo competente e não proporcionando condições favoráveis ao desenvolvimento pessoal e técnico-profissional aos trabalhadores, são eles, os dirigentes, os que reclamam por maior produtividade das actividades empresariais, os que são os verdadeiros responsáveis pelo não desenvolvimento qualitativo e quantitativo das suas empresas, logo, da economia e da riqueza nacional. Será porque lhes interessa manter os trabalhadores abaixo do nível desejado, para continuarem a basear os seus lucros, mais nos baixos salários e menos na competitividade baseada na inovação e criatividade, na diferenciação e no valor acrescentado ?
Outro exemplo: O estado português, ou melhor, os sucessivos governos de Portugal, depois da restauração da democracia em 1974, e da adesão à C.E. e ao acesso aos subsídios colossais e fáceis de obter das ajudas financeiras da C.E., têm vindo, mesmo assim, a aumentarem a dívida pública do estado português até um inadmissível nível em que já ultrapassa a capacidade de a pagar com a riqueza nacional produzida. 
Ora, não se vê um debate sério e consequente, levado a cabo pela Assembleia da República, pelos partidos políticos, pelas Instituições Universitárias e outras instituições representantes do empresariado e dos sindicatos e, até, emanadas da sociedade civil, que coloquem como prioridade sem a qual nenhuma estratégia de desenvolvimento de Portugal estará míope, paraplégica e  condenada ao fracasso, debates e conclusões a terem que se implantar, em primeira instância, sobre várias questões que se podem diagnosticar como as fraquezas e debilidades, os desequilíbrios e os constrangimentos ao desenvolvimento português, das quais, entre tantas, apenas destaco, aqui e agora, apenas algumas delas, que seriam mais do que suficientes para enfrentar e resolver a crise financeira e a dívida pública portuguesa. São estas as seguintes questões:
  • Porquê não se leva urgentemente a sério, um debate sobre a prioritária reforma administrativa do Estado, de modo a reduzirem-se drasticamente as despesas do mesmo, e a melhorar-se consideravelmente o trinómio "despesa-eficácia-satisfação pública", adoptando-se um modelo de melhorias contínuas, avaliação de desempenho e de controlo da qualidade em todos os serviços, através de um projeto de responsável e inteligente "down - sizing", em que se reduzisse drasticamente o tamanho do aparelho do Estado e, por consequência  a despesa pública, pela redução progressiva e programada de institutos estatais e para-estatais, autárquicos, regionais - como as empresas públicas e Institutos de serviços que podem ser garantidos pelos próprios técnicos do estado, empresas autárquicas, assessores, consultores, deputados, governadores civis, que são claramente desnecessários e muitos deles inúteis ?
  • Porquê não se impõem regras de regulação das margens de lucros (que nalguns casos chegam a ser obscenas e espoliadoras dos clientes, como o caso dos bancos, das indústrias farmacêuticas, das telecomunicações)  e se aplicam impostos justos e igualitários às entidades do sistema financeiro (bancos, off shores, bolsas, seguradoras) em que estas, enquanto empresas, ou só pagam ao estado, escandalosamente, cerca de 12% menos de IRC (bancos) do que toda e qualquer empresa grande, micro ou PME, apesar de impunemente auferirem lucros  astronómicos ilegítimos de taxas e sobretaxas de despesas imputadas aos clientes e carregam as margens de  operação (spreads) perfeitamente obscenas, em relação à actividade bancária da  Europa desenvolvida, onerando e inviabilizando a actividade económica e, no caso das Bolsas de Valores e off-shores se consente ,inexplicavelmente, que até haja regime de isenções fiscais, quando ao mais humilde dos salários de trabalhadores ou à mais insignificante das micro-empresas, que mal sobrevivem, se impõem impostos pesados e sacrificantes e uma contribuição para o estado, injustamente muito acima ?
  • Porque será que em Portugal desde os partidos dos governos (PS e PSD), aos da oposição mesmo os da esquerda que não tem (ainda) grande probabilidade de vir a governnar, passando por sindicatos, organizações empresariais e cívicas, parece haver uma disfarçada "conspiração do silêncio" sobre estes temas, de tal modo que, mesmo quando alguém de tempos a tempos formula estas questões na Assembleia da República ou noutras instâncias, nunca encontram respostas e debates conclusivos.  Ao invés, são dadas respostas de diversão para outros temas e, inexplicavelmente, todos, mesmo os que rara e timidamente questionam sobre estas matérias, parecem contentar-se com as não respostas e ausências de debate, e ninguem mais promove uma mudança nestas situações absurdas, nem mesmo aqueles sectores do trabalho (sindicatos) e empresariais que são mais directamente prejudicados com o ónus de terem o exclusivo dos sacrifícios sobre os impostos para o estado. Será que os bancos, off-shores, as bolsas, as indústrias farmacêuticas, as telecomunicações,  as empresas de energia, os monopólios e oligopólios, são as "vacas e os bezerros sagrados" do sistema, que ninguém pode profanar nem tocar? 











    É preciso que se  saiba o que se passa em Portugal relativamente a alguns destes temas cruciais que aqui acabo de expor e questionar, para que não se continue a assistir à mistificação dos problemas e à indiferença perante os mesmos face a que algusn "papagaios da política" nos vão assobiando:
    "... os portugueses comuns (os que têm trabalho) ganham cerca de metade (55%) do que se ganha na zona euro

    Mas os nossos gestores recebem, em média:

           - mais 32% do que os americanos;
          - mais 22,5% do que os franceses;
           - mais 55 % do que os finlandeses;
                                                           - mais 56,5% do que os suecos"

    Parece que as mazelas e incapacidades da governação portuguesa já são endémicas e longínquas porque  há mais de 100 anos já distintos comentadores e intelectuais como Guerra Junqueiro se queixavam dos mesmos desgovernos, desleixos, incapacidades e até imoralidades que, hoje, como ontem, condenam Portugal a uma vil existência em que este paraíso "à beira mar plantado" só o é, de facto, para os privilegiados do sistema vigente, da fortuna furtuita (filha da corrupção), ou da fortuna herdada ou acumulada pela actividade empresarial, que nega aos trabalhadores uma justa reparticipação na riquiza produzida, através de salários justos. 

    Aliás, só o capitalismo míope e ganancioso é que não vê que os justos salários são factor do próprio desenvolvimento empresarial e económico em geral, porque melhores rendimentos das famílias corresponde a maior poder de compra e maior dinamismo da produção e consumo interno e, daí, resultam indispensáveis melhorias de productividade e competitividade, que fazem dos mercados internos alavangens para a inovação e qualidade que servem de aprimoramento para a expanção das economias nacionais para os mercados internacionais, em que as empresas exportadoras se aperfeiçoaram e testaram primeiro em seus mercados domésticos. Este é, por exemplo, o caso de economias fortes e desenvolvidas que pagando salários mais elevados, têm mercados internos fortes, exigentes e desenvolvidos, e são poderosas economias exportadoras com altos índices de competitividade, como são o Japão, a Alemanha, os países da Escandinávia, a Suiça e outros.

    Portugal tem sido um país paraíso para oportunitas e corruptos sem escrúpulos, e empresários  adeptos de um capitalismo primário, básico, ganancioso, estúpido, sem visão estratégica de desenvolvimento económico, social e humano, que acreditam na teoria dos lucros à custa de baixos salários, em vez de uma gestão científica, competente, humanizadora e de responsabilidade social, que aqui sabem poder fazer fortunas o mais rapidamente possível não importa por que meios, e que aqui podem viver impunemente.

    Vejamos abaixo alguns exemplos do que se passava em Portugal há mais de 100 anos:



















    Guerra Junqueiro








    "  Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
    fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
    aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
    sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
    pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
    um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde
    vem, nem onde está, nem para onde vai;
    um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
    e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que
    um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em 
    silêncio escuro de alma morta.

    Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
    não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
    sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
    descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
    capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação,
    da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam,
    entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis
    no "  Limoeiro"   (nota: antiga prisão de criminosos comuns).

    Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
    este criado de quarto do moderador; e este, finalmente,
    tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

    A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao
    ponto de fazer dela saca-rolhas.

    Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
    incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
    pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos,
    iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
    e não se malgando e fundindo, apesar disso,
    pela razão que alguém deu no parlamento,
    de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
    Guerra Junqueiro, 1896.

    Carlos Morais dos Santos
             

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